segunda-feira, 19 de junho de 2017

51º dia - Destino Toluca (México)

16 de junho de 2017.

Hoje foi um dia que, pelo menos parte dele, eu gostaria de apagar da minha lembrança e vou falar porquê.

Ontem havia decidido que já estava mais do que na hora de acabar com essa vagabundagem de acordar tarde. Coloquei o celular para despertar às 05:30h.
Queria ir cedo para a estrada - e fui!

A intenção era rodar até a cidade de Guadalajara e "quedar" lá uns dois dias.

E porquê Guadalajara?

O Rocha, que já está nos EUA, relatou em seu blog das dificuldades que ele encontrou nas concessionárias BMW daquele país, seja por péssimo atendimento, seja por custos altíssimos e até mesmo por serviços mal executados (ele estava tendo problemas com a embreagem da moto dele).

Falei com ele, via WhatsApp, sobre isso e resolvi adiantar para o México, mais precisamente Guadalajara onde eu já tinha marcado em meu GPS uma concessionária, a troca de óleo e filtro da minha moto e uma revisão geral.

Pois bem, eram 06:25h quando comecei a rodar.
Todo meu trajeto, de Acapulco até Guadalajara, seria por estradas pedagiadas (cuota) então era bem possível que eu conseguiria vencer os cerca de 800 km hoje mesmo.

De Acapulco até a Cidade do México o trajeto é feito através da MEX95D, um verdadeiro tapete, e, melhor, vazia (pouquíssimos carros).
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Tirando um ou outro trecho em obras, só parei para colocar gasolina uma única vez e em quatro pedágios.

São cerca de 380 km que eu fiz em pouco mais de 4 horas - uma ótima média. O interessante é que saí da cidade de Acapulco, situada ao nível do mar e fui subindo até atingir a altitude de 3.040 msnm, uns 30 km antes da Cidade do México. Neste ponto tive que parar para trocar de luvas e colocar uma segunda pele pois o frio já estava se tornando insuportável.

Uns poucos quilômetros depois dessa parada começa-se a descer até os 2.250 msnm. Comecei, nessa descida, a escutar um barulho estranho na moto, achei que talvez fosse algum rolamento que estivesse começando a apresentar desgaste. Não fiquei muito preocupado pois, se preciso fosse, faria a substituição dele em Guadalajara.

Após isso, já dentro da região metropolitana da Cidade do México, passou por mim um motociclista em uma BMW F700GS (Antônio), nos cumprimentamos e paramos logo adiante a fim de trocar informações. Passei para ele um decalque com o endereço do meu blog e nos despedimos.

A partir desse ponto, eram 11:00h, ao retornar para a estrada as coisas começaram a dar errado.

Primeiro eu perdi uma saída para a "Super Via Poniente", uma espécie de rodoanel (pedagiado) que faria eu evitar de passar por dentro da cidade do México. Não fiquei muito preocupado pois o GPS costuma fazer o recálculo da rota.

Segui adiante e perdi novamente a segunda saída recalculada pelo GPS, desta vez para o Periférico Norte que me levaria à outro ponto de entrada na "Super Via Poniente".

Pouco depois, ao fazer uma curva fechada, a moto ficou instável, quase caí. Logo depois, já no meio de um oceano de carros, andando lentamente,  um motorista para ao meu lado e avisa:

¡El llantas trasero está pinchado!

De que "buesta" esse  cara tá falando?

Aí ele apontou para a roda traseira da moto.

Olhei para o pneu traseiro e meus olhos quase saltaram das órbitas! O pneu estava arriado, no chão, murcho!

Uma das cidades que eu não queria passar de jeito nenhum, por seu tamanho (já foi considerada a maior cidade do mundo) era a Cidade do México, e muito menos me deparar com um "llantas pinchado" no meio dela. E aqui estava eu, na Cidade do México com um "llantas pinchado".

Aí fui entender o que o cara queria dizer: "o pneu traseiro está furado" (em alguns países de lingua espanhola, pneu é llantas e não neumático, como na Argentina e Uruguai, por exemplo).

Nessa hora compreendi de onde vinha aquele barulho que eu achava que era um rolamento - era o pneu que já estava meio vazio, e como ele é mais para off-road, os cravos do pneu no asfalto faziam aquele barulho estranho.

Botei a moto em cima da calçada, desci e fiquei olhando a situação que estava configurada. Primeiro tentei enche-lo com a força do pensamento (vai que funciona). Não deu certo.

Bom, vamos para o plano B: usar um spray que tem a função de encher e consertar a câmara, se o furo for pequeno.

Peguei o spray e taquei-lhe o conteúdo para dentro do pneu, esperando que funcionasse. Fiquei muito contente quando vi o pneu inflar novamente. Agora era torcer para que o produto, além de encher o pneu, tapasse o furo também. Muitas vezes ele só infla temporariamente porém não tapa o furo, ou seja, a alegria dura pouco.

Eu não ia ali ficar esperando ver se o furo tinha sido tapado, iria aproveitar a pressão que havia conseguido com o produto e procurar rapidamente  um posto de gasolina para colocar mais ar no pneu e, se preciso fosse, arranjar um borracheiro para tapar o furo.

Entrei novamente no meio daquele mar de carros, e fui, sempre de olho no pneu, procurando um posto de gasolina. Depois de uns minutos rodando, tive a impressão de que o pneu estava perdendo pressão novamente. Saí rapidamente daquela avenida, que era a que eu deveria seguir para alcançar a "Super Via", se tudo estivesse bem, a fim de sair de dentro da cidade do México - mas não estava tudo bem.

Consegui chegar em uma concessionária da Toyota mas não consegui entrar na oficina deles para colocar mais ar no pneu. Fique parado em frente a concessionária e utilizei uma bomba manual que trago comigo para essas emergências, para botar mais ar no pneu.

Saí novamente em busca de um posto de gasolina e, ajudado pelo GPS, localizei um que, para minha felicidade ficava perto de duas borracharias. Chegando na primeira borracharia constatei que o pneu não tinha mais perdido ar. Falei com o borracheiro que iria aguardar cerca de uma hora ali e se o pneu murchasse iriamos então fazer o conserto. Felizmente, depois de quase 1 hora, o pneu mantinha a pressão - o spray tinha funcionado.

Porém, nessas alturas, eu já tinha saído da minha rota em direção à "Super Via" que iria me levar para o outro lado da cidade e aí começou o meu inferno.

Em uma nova tentativa, eu até que estava indo bem em direção à "Super Via", estava transitando no chamado "Periférico Norte" e, bastava alcançar uma "caseta de cobro" (praça de pedágio) e entrar na super via salvadora.

Cheguei, depois de mais umas perdidas básicas, no ponto de ingresso na super via porém fui barrado por um funcionário. Ali era somente para ingresso de carros com chip. Para cabines de cobrança manual o ponto de entrada era outro.

-¡Tienes que dar la vuelta y entrar allá abajo!  disse ele, como se naquele emaranhado de ruas eu soubesse onde era o "lá embaixo".

Ele removeu uns cones e mandou eu vazar. Até me deu vontade de me fazer de desentendido e entrar naquela que seria a estrada da minha salvação, mas obedeci e sai dali.

Desse ponto em diante fui tentando, com a ajuda do GPS, achar outro ponto para ingressar na super via porém só fui me emaranhando mais naquela cidade.

Para onde eu olhava só via ruas engarrafadas, mas o meu medo maior era que o GPS me levasse para a periferia da cidade, para uma "comunidade", se é que vocês me entendem.

E o meu medo se concretizou. Entra aqui, entra ali e não deu outra.

Quando vi estava entrando em umas vielas, em umas bocas que me pareciam bem entaipadas.

Me lembrei nessa hora dos dois motociclistas italianos que, no ano passado, foram parar em um morro no RJ, "ajudados" pelo GPS (um morreu baleado e o outro conseguiu escapar).

Retroceder nunca, render-se jamais!!!

Liguei a filmadora (Gopro) e fui em frente. Se eu sair daqui invicto, pensei, vou ter que mostrar a prova.

Entrei naquela comunidade já sendo seguido por uma Kombi velha, cujo motorista queria me ultrapassar de qualquer maneira.

Depois de deixar aquela Kombi para trás, parei em frente à uma pequena loja de acessórios para moto-boys (até aí eu filmei) e fui falar com o dono do estabelecimento, que atendia protegido por uma grade de ferro.

Buena tarde, estoy perdido y no puedo encontrar la salida a Guadalajara. ¿Conoces algún moto taxista que me puede indicar el camino para allá?

¿Cuánto estás dispuesto a pagar?

No sé, cuánto me cobraría?

- 500 pesos mexicanos! (isso equivale a uns R$ 90,00).

Eu levo no bolso da jaqueta, dentro de um saco plástico, um valor para pagar os pedágios. Tinha ali uns 300 Pesos Mexicanos (cerca de R$ 50,00). Mostrei para ele e disse que era tudo que eu tinha.

Por aquele valor, disse ele, não poderia ir de moto me indicar o caminho, porquê era muito longe, mas que era fácil e desenhou em um pedaço de papel.

- Sigue esa calle hacia adelante hasta la avenida. En la avenida usted va a encontrar una iglesia, en ella usted toma a la derecha y va a llegar en la carretera cuota (pedagiada).

Poxa, super fácil. Então na igreja eu pego à direita e vou até a carretera cuota?

¡No, no es iglesia! Es y griega, y griega!. (é Y em espanhol, bifurcação).

Ah, ahora sí entendí.
Muchas gracias, señor.

Saí dali e consegui, graças a explicação daquele senhor da comunidade, chegar no caminho de saída da Cidade do México.

Isto já eram 16:30h, ou seja, tinha passado cerca de cinco horas e meia "preso" naquela cidade, a maior parte desse tempo rodando.

Quando finalmente consegui chegar na autopista em direção à Guadalajara o motor da moto começou a falhar, tal como acontecera em Honduras.

Parei então na beira da autoestrada e fiquei uns 30 minutos ali esperando o motor esfriar.
Perto de onde eu parei já havia uma caminhonete parada, com problemas mecânicos.
Depois de alguns minutos veio uma pick-up, que eu acho que era da concessionária da autoestrada, e ajudou a caminhonete, feito isso, arrancou e nem ao menos fez menção em parar para me dar assistência.

Liguei a moto e segui viagem, desta vez sem nenhuma falha. Já estava chegando na cidade de Toluca, que eu já tinha decidido pernoitar, e o que vejo na beira da pista, à direita? Uma concessionária BMW.
Não acredito, é muita sorte.

Parei na concessionária e agendei para amanhã, dia 17, troca de óleo e filtro e uma promessa de avaliação da causa da falha no motor.

Saindo dali, conforme orientação do pessoal da concessionária, encontrei facilmente um hotel onde me instalei

Rodei nesse dia 475 km.
Coordenadas do hotel: N19° 16.972' W99° 29.830'

Clique na foto para ampliar.


Antonio, motociclista de Ciudad de México.



10 comentários:

  1. Rodou no aro! Perdeu- se no morro! Jesus agora dã para rir. Mas na hora bem que deves ter chamado Miguel.

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  2. Fico impressionado com a riqueza de detalhes dos teus relatos, parabéns! Apesar de todas as intempéries que passaste hoje, achei bem interessante as situações; achei muito boa a parte da "iglesia" e do "y grego"

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    1. Pois é Mauricio, acontece que vários dados do trajeto ficam gravados no GPS. Quando eu chego no hotel eu transfiro para o computador, analiso e alimento o texto a ser publicado aqui.
      Obrigado pelo comentário.
      Abração.

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  3. Ufaaa!!! Ainda bem que no final acabou tudo bem!

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  4. Nossa, depois de tanto andar conseguiu encontrar uma saída e se deparar com a Concessionária BMW. Ufa!!!!!!
    Um alivio. Graças a Deus.
    Sempre ele com seus anjos guardiões te acompanhando te guardando e protegendo de toda a cilada deste mundo a fora.
    Deus está no controle, siga com Ele e seus Guardiões.

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    1. É, e tudo que eu não queria era passar dentro da cidade do México.
      Passei, invicto.
      kkkkk

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