sexta-feira, 7 de julho de 2017

67º dia - Destino Tok - Alaska (USA)

Dia 02 de julho de 2017.

O Francisco e sua filha, Diana, mais o Manoel, já tinham partido com suas motos quando descemos para carregar nossas bagagens.

A primeira coisa que fiz ao chegar na moto, antes mesmo de colocar a bagagem nela, foi olhar com mais atenção o pneu traseiro.

Olhando bem de perto, percebi que o desgaste estava mais acentuado do que imaginava e, segundo o Roger, a tendência, a partir de agora era desgastar mais rápido, pois a borracha das últimas camadas é mais macia.

Fiquei mais preocupado do que já estava. Tinha no mínimo 1.000 quilômetros para percorrer até a cidade de Fairbanks, no estado do Alasca, onde pretendia substituir o pneu.

O que eu poderia fazer? Nada, a não ser torcer para não pegar chuva, ou, se pegar, levar a moto "na ponta dos dedos".

Outra coisa que eu torcia para não acontecer: pegar estrada de má qualidade ou chão batido, gravel (rípio) ou estrada em manutenção.

Me abaixei na altura do pneu e falei pra ele:

- Camarada, vamos fazer um trato? Tu me levas em segurança até a cidade de Fairbanks, no Alasca e lá tu te aposenta. Tu já tá no lucro. Saiu do Panamá, na calorenta América Central, e vai passar teus últimos dias no Alasca, no "céu dos pneus bonzinhos".

O bicho tava carequinha da silva, não tinha Capiloton que desse jeito nele.

Batizei ele de Bruce Willis: Careca e Duro de Matar.

Sim, porquê ele atravessou toda a América Central, desde o Panamá até a Guatemala. Varou o México inteirinho (foi "pinchado" na Cidade do México e eu cuidei dele). Cruzou valente a reta da Zona del Silêncio e aquela reta sinistra da cidade de Jimenez até Ojinaga). Atravessou todo os EUA, do sul para o norte pelo meio-oeste, bailou feliz na descida das Montanhas Rochosas. Entrou no Canadá pela província de Alberta, The Wild Rose Country,  e iria sair deste lindo país pelo território selvagem do Yucon.

Tá louco meu, poucos pneus nesse mundo tem esse privilégio!!

Um pneu assim merece ser chamado de Bruce Willis, conquistou esse direito.

Ele tinha comido muita estrada, mas muita estrada também tinha comido ele.

Após, mais ou menos, uns trinta segundos de silêncio ele olhou para mim, e com a voz grave e embargada, disse:


 Gente, eu quase chorei quando ouvi isso!!!!!!!
- Parecia até coisa de filme.

Bom, voltando á realidade, o pneu estava "na capa da gaita", estava "pelo último dente da égua", mas fazer o que? O que não tem solução, solucionado está!

Fomos pra estrada. O dia estava lindaço - meu primeiro desejo estava se realizando: tempo bom.

Eu acho que não rodamos mais do que 10 km na Alaska Highway, após sair da cidade de Whitehorse e o que aparece pela frente? Pista em manutenção, cascalho, pedrinhas soltas, tudo o que eu não queria encontrar.

- Taqueopariu!!!
- Pode isso produção????

Acabou aqui a minha sorte!

Aliás, esse tipo de pista iria nos acompanhar em outros momentos do dia.

O negócio agora era torcer para que, pelo menos, não chovesse....mas choveu!!!! Mas isso foi já na segunda metade do dia.

Agora pela manhã o problema era apenas pistas ruins. Não que fossem péssimas, era ruins para a condição que eu tinha para trafegar nelas.

Dava para andar tranquilamente à uns 110/120 km/h, mas nas curvas eu tinha que aliviar o braço, tinha medo de perder aderência e conhecer o lado mais selvagem do Yucon, ou seja, dar com os beiços no asfalto.

E assim fomos.

Paramos 120 km depois, em um posto de gasolina, um pouco antes de uma pequena vila chamada Haines Junction, a fim de tomar café da manhã e abastecer.

Já na chegada encontrei um urso negro e dominei o bicho, na mão.

Ele deu azar porquê hoje, justamente hoje, eu estava "envaretado" por causa do pneu gasto.

Segue a foto para comprovar o feito.

Se você não entende de ursos, por favor não se meta, não tente desmerecer o meu feito.

Dominando um urso negro. Talvez pelo ângulo da foto não se possa perceber, mas o bicho era enorme.

Estávamos quase terminando de tomar o café da manhã quando, de repente entra no estabelecimento um sujeito, vestido com as roupas da BMW, vem na nossa mesa e pergunta em português:

- Quem é o brasileiro aqui?

Falei:

Sou eu!!

Buenas, o cara era Julio Cesa Guidolin, paranaense de Curitiba que estava voltando do Alasca, do Topo do Mundo, sozinho, em uma BMW 1200GS Adventure.

Ele tinha visto as duas motos lá fora, reconhecera a placa do Brasil na minha moto, e viera conversar com a gente.

Gostei de ver, não é nenhum bicho de sete cabeças cruzar as américas ou qualquer outra parte do mundo de moto sozinho. Até porquê eu, cedo ou tarde, vou estar rodando sozinho de novo e preciso desses exemplos.


Trocamos informações, e-mail, etc.

O Roger pediu o parecer do Julio Cesar para uma coisa que está incomodando ele, desde ontem, quando estávamos em Toad River.

Ele recebeu um e-mail da BMW, três dias antes de iniciar a viagem ao Alasca, convocando os proprietários de BMW 1200GS Adventure para um "recall" na suspensão dianteira, que pode vir a causar um acidente com consequências imprevisíveis. Ele só foi ler esse e-mail ontem, em Toad River e aí acabou a tranquilidade dele e talvez até a ida dele até o Alasca.

O Júlio Cesar tranquilizou ele dizendo que não havia motivo de medo. De qualquer forma vamos levar as motos na concessionária BMW de Fairbanks, o Roger para avaliar se pode continuar a viagem para o Alasca e eu para substituir o pneu traseiro da minha moto.




Nos despedimos e seguimos, cada um para o seu lado: ele para o sul e nós para o norte.




Mais adiante, iríamos entrar na área de mais um parque nacional canadense: Kluane National Park.

De longe eu comecei a avistar um monte de poeira, como se fosse uma tempestade de areia, e acho que era de fato. A medida que fomos chegando perto, aquele fenômeno formava um efeito muito bonito, surreal, parecia uma pintura em movimento. Não sei o que causa esse fenômeno e se acontece constantemente, mas era bonito de se ver.

Paramos em um ponto da estrada para fotografar aquela obra de arte da natureza.









Seguimos viagem rumo ao norte.

Eram 17:05h (horário da Província de Yucon - Canadá) quando chegamos, debaixo de chuva e em uma pista que mais parecia um tobogã, na placa que delimitava a fronteira entre o Canadá e o estado americano do Alaska.

Paramos para registrar esse momento, de grande significado para mim, pois eu estava agora cruzando a minha última fronteira em direção ao Topo do Mundo, exatamente o que eu havia me proposto á fazer 67 dias atrás, quando saí da agora longígua Porto Alegre.

Perto, muito perto do objetivo final.

A Azulona e o Bruce Willis: uma dupla imbatível.



Marcando território.


Subimos nas motos e, alguns metros adiante, fizemos a imigração de entrada nos EUA, tão simples como foi ter entrado no Canadá - nem descer das motos foi preciso. Nesse ponto "ganhamos" mais uma hora: aqui eram exatamente 16:30h, alguns metros dali, no Canadá, eram 17:30h e no Brasil 21:30h.

O oficial da imigração apenas se limitou a pedir meu passaporte e perguntou de onde eu vinha.

Falei: "I come from Brazil, sir!
Ele, olhando para a Azulona, soltou um: "Wow!!!"

Sorrindo ele disse:
"Welcome to the United States of America, welcome to Alaska"

Agradeci, coloquei meu capacete e, emocionado, me lembrei da música "A Estrada" do grupo "Cidade Negra".

Agora, debaixo de chuva, rodávamos novamente em território estado-unidense.

Aumentaram as ondulações na pista mas eu estava gostando daquela sensação de estar pilotando como se fosse em um tobogã. Talvez o fato de ter cruzado a última fronteira me tenha feito perder o medo do "Bruce" não cumprir sua parte no acordo que tínhamos firmado naquela manhã.

Vamos ver como foi isso, dentro do meu capacete??


Se nas excelentes pistas dos Estados Unidos e do Canadá, pelas quais eu passei para chegar até aqui, as Harley Davidson reinavam soberanas, a coisa mudou totalmente quando chegamos na pequena cidade de Tok, uma cidade que mais parece um trampolim para quem está se dirigindo ao Topo do Mundo.

A toda hora chegavam e partiam grupos de motos, ou apenas motociclistas solitários, isso debaixo de uma chuva torrencial.


Aqui nesta cidade, que se resume praticamente a uma rua, a Alaska Highway, nove, em cada dez motos que encontrei, eram big-trail, com predominância absoluta das BMW 1200GS Adventure, mas tinha também Honda África Twin, Suzuki V-Strom, Kawasaki KLR 650 e a única BMW F800GS, a minha Azulona.






Resolvemos dormir aqui mesmo e fazer amanhã os poucos mais de 300 km que nos separavam da cidade de Fairbanks.

Encontramos, mais uma vez, o Francisco (com a filha engarupada) e o Manoel que, após jantar, seguiriam até Fairbanks hoje mesmo, aproveitando que, nesta latitude, já não existe mais noite nessa época do ano.

Após jantar, sentamos em frente aos quartos, compramos um vinho barato e ficamos observando o vai e vem das motos que, mesmo debaixo de chuva não paravam de chegar e partir, tanto para o sul, quanto para o norte.

Lá pelas 2 horas da manhã, ao acordar para ir no banheiro, aproveitei e tirei uma foto da "noite" la fora.


Rodamos nesse dia 620 km.
Coordenadas do hotel: N63° 20.064' W142° 57.457'

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